domingo, 2 de março de 2008

Respostas aos comentários ao texto 'Religião à portuguesa'


Caríssimos alunos e alunas: obrigado pelas vossas reflexões sobre o texto de Desidério Murcho, que considero muito interessantes e pertinentes. Li-as todas com atenção e interesse. Respondo a cada um/uma de forma breve. Espero que algumas das questões aqui levantadas possam ser abordadas nas aulas.

Ana,
A compreensão que temos do cristianismo tem evoluído ao longo dos séculos. Há algumas crenças tradicionais que mudaram. Os fundamentos do cristianismo não mudam mas sim a compreensão que temos deles.
Obrigado.
Alfredo Dinis,sj

Filomena,
Vale para ti o que digo à Ana. Realmente não há que ter medo em procurar as bases da crença religiosa, mas isso não é tão fácil como parece. Espero que faças progressos neste aspecto.
Obrigado.
Alfredo Dinis,sj


Carina,
Realmente, a guerra das religiões já pertence ao passado, embora ainda hoje haja num ponto ou noutro do planeta algumas escaramuças. Nada porém que se compare às guerras do passado. Todas as religiões procuram responder a anseios profundos do ser humano, por isso há em todas elas muito de positivo. Nenhuma porém se deve considerar acima de qualquer crítica. Viver a própria religião com espírito crítico permitirá separá-la de elementos que são mais superstição que outra coisa.
Obrigado.
Alfredo Dinis,sj


Isabel,
Ter fé, não exclui que se tenham dúvidas, incertezas, inseguranças. Os crentes são por vezes apresentados como alguém que vive de dogmas que lhe dão só certezas que desceram do céu, mas isso não corresponde à verdade. O conhecimento humano muda, progride, também em matéria religiosa. Deus encontra-se sobretudo na natureza e numa vida vivida como busca incessante da verdade, da justiça e do amor. A fé não é mais que um grito permanente do ser humano que procura um sentido para a sua vida para além do sentido de todas as coisas. Isto não significa que o que existe e que conhecemos não tenha sentido. Os crentes procuram ‘mais sentido’ neste mundo, não ‘outro sentido’ num ‘outro mundo’.
Fernando Pessoa também é um dos meus poetas preferidos. Já agora deixo-te um belo poema de Sofia de Mello Breyner:
A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita
Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento
A terra o sol o vento o marSão a minha biografia e são meu rosto
Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento
E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada
Sophia de Mello Breyner Andresen

Obrigado.
Alfredo Dinis,sj

Maria do Céu,
O seu texto levanta questões interessantes. A ciência tem progredido muito nos últimos quinhentos anos, e é bom termos em conta o que dizem os cientistas, embora sempre com espírito crítico. O mesmo no que se refere à religião, concretamente ao cristianismo. A nossa compreensão dos conteúdos da fé tem evoluído e continuará a evoluir. A ciência tem contribuído para isso. Mas é claro que a ciência não responde às questões levantadas pela religião. É quando os cientistas pretendem poder provar que a religião não tem fundamentos que eles prestam um mau serviço à humanidade.
Obrigado.
Alfredo Dinis,sj

Mónica,
Realmente, há pessoas que apresentam caricaturas da religião e não se dão conta disso. Concordo que a ciência não se opõe à fé, embora para muitas pessoas ciência e fé se excluam. Há muitos malentendidos históricos e culturais que não vai ser fácil mudar.

Obrigado.
Alfredo Dinis,sj

Joana,
Espero que resolvas algumas dúvidas, mas não garanto que não adquiras outras que não tens agora!
Obrigado.
Alfredo Dinis,sj

Ana Margarida,
Muitas pessoas, em geral não crentes, pedem aos crentes que provem que Deus existe. Mas o que se poderá considerar uma prova de que Deus existe?
Isto não significa que não possamos e devamos procurar aprofundar as razões das nossas crenças, como dizes.
Provavelmente, Deus pode ser ‘visto’ também no tangível. Não poderá ser uma questão da perspectiva a partir da qual se experimenta o mundo?
Obrigado.
Alfredo Dinis,sj

Natália,
Há uma diferença entre saber viver e saber explicar. Mesmo que nunca venhamos a conseguir explicar todos os mistérios do universo, poderemos sempre viver com sabedoria e dignidade. Creio que isto corresponde ao que dizes. É também o que penso.
Acreditar em Deus, só por si, não faz com que uma pessoa seja necessariamente melhor que outra que não tem esta crença, seja essa pessoa cientista ou não. Há cientistas que são crentes, não encontram nisto qualquer incompatibilidade. Há cientistas que dizem não necessitar de crenças religiosas. Todos podem alcançar elevados níveis de qualidade de vida, porque pela razão podemos distinguir o que é mal e o que é bem. Nisto a relação com os outros é, como dizes, um factor essencial para identificar um comportamento, seja o de um cientista não crente, seja o de um crente, cientista ou não.
Obrigado.
Alfredo Dinis,sj

Rui,
Dizes: a natureza dá-nos indícios de que Deus existe. Também o nosso coração. Creio que esta é uma das boas formas de falar de Deus. Os indícios não são provas, mas isso não lhes tira valor. Achei o vídeo que referes interessante. A fé em Deus dever-se-ia exprimir no respeito, no amor pela sua criação. A tua ideia de que Deus é energia é interessante, mas não sei de que género de energia falas. Precisamos de um Deus pessoal, de outro modo, para que nos serviria um Deus impessoal? Como já disse anteriormente noutras respostas, as religiões também evoluem, e não tenho razões para não acreditar que muitas das suas normas também mudam porque há nelas mais flexibilidade do que se pensa habitualmente.
Obrigado.
Alfredo Dinis,sj

André,
O que dizes sobre o desaparecimento de certas formas de religião ‘popular’ e ‘tradicional’ parece-me que corresponde aos factos. O que fica então, perguntas. Uma religião ao gosto de cada um? Hoje não temos muitos dos pontos de referência que tiveram os nossos avós, e que lhes dava sossego e paz. Crer hoje é um desafio, uma procura constante, que podemos fazer juntos em vez de querer cada um redescobrir o ‘seu’ Deus. Deus, se existe, não é propriedade de ninguém. Mas acredito que se deixa encontrar por quem o procura honestamente. Mas esta procura não tem fim. Hoje há pessoas que continuam a oferecer crenças religiosas que anestesiam o pensamento. O cristianismo não vai por aí, por mais que isso faça doer!
Obrigado.
Alfredo Dinis,sj

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